Pele
2003
A ideia do trabalho surge do reencontro de dois amigos de muitos anos. Eu, Liliane Braga, morando no Rio com meu atelier em Santa Teresa e Chico Higino*, vivendo e trabalhando no seu atelier em Rio Bonito de Cima – Região de Friburgo. Cotidianos tão diferentes, inquietações artísticas tão complementares, resultou na proposta de um trabalho em parceria que incluísse essas “diferenças complementares”. O quê e como fazer? A resposta chegou ao olhar em volta. O atelier do Chico fica em meio ao pasto que beira uma floresta preservada e muita água! Oferecendo-se ao nosso olhar imensos e belos troncos tombados – estava escolhida nossa matéria de trabalho. Com a decisão saímos em campo, encontrando não só a beleza desses troncos esculpidos pela natureza, mas também das cores da terra, dos musgos, aranhas, escorpiões e tudo que fala de transformações do tempo, num ciclo perfeito entre vida-morte-vida. Tantas vezes me emocionara com as obras de Krajcberg, ousamos agora querer mergulhar nessa experiência de criar com a criação mais bela que é a natureza. Entrar nesse universo com nosso olhar, criando frutos dessa experiência. Nossa segunda decisão foi fazer a limpeza em busca do que restasse de madeira –retirando apenas a matéria em decomposição, assim preservando a forma do tronco hoje. Nesta fase, trabalhamos numa represa com cachoeira de águas cristalina, é como “lavar a alma” da que um dia foi árvore. Tratamos a madeira com o objetivo de preservar essa forma capturada, e trazemos esse material para meu atelier no Rio. Aqui , encontramos o metal, com o qual vinha trabalhando de diferentes maneiras. Fechamos a ideia, a urbanidade do aço com sua resistência a transformações do tempo, sendo o suporte ideal para conter a “alma da árvore”. Mas nossas andanças nos fizeram testemunhas desse resgate, o que foi lavado, retirado e imaginado ficou gravado em nosso coração. Essa foi nossa terceira decisão – contar o que vimos e imaginamos através das cores e formas gravadas no aço com pintura automoBva e com os vergalhões – assim ficamos autores de obras que são resultado do nosso olhar compartilhado e da ação de parceiros. RJ, junho de 2003
*Em memória de Chico Higino, que hoje é estrela nesse mundão de mistérios.